|
Jesus Acerta o Passo |
A Primeira Época - Chegou o Messias
Jorge Jesus prometeu, quando
chegou ao Sport Lisboa e Benfica, “pôr o Benfica a jogar o dobro” da época
anterior. E cumpriu. O Benfica da primeira época apresentou um futebol ofegante,
em ritmo desenfreado, sempre ao ataque. As goleadas sucessivas comprovam a
eficácia do seu método. Jesus é exigente ao nível táctico mas também ao nível
técnico gritando constantemente nos treinos e nos jogos para dentro do campo.
Quem joga no corredor junto ao banco de suplentes do Benfica sai sempre com as
orelhas a arder. Este futebol de vertigem ofensiva era possibilitado
essencialmente por dois jogadores, Di Maria e Ramires que, embora com estilos
distintos, esticavam o jogo pelas faixas. Di Maria de forma mais técnica e com
arranques explosivos e Ramires com a sua passada de corredor de meio-fundo. No
ataque, Cardozo, Saviola e Nuno Gomes contribuíam com golos vitais. Javi
Garcia, criticado por muitos pelos 7 milhões de euros que custou, era o farol
defensivo, a pedra basilar de toda a equipa. Na defesa, Luisão, Maxi Pereira e
David Luiz e o adaptado Fábio Coentrão eram garante de alguma estabilidade.
Apesar disso, com o pendor ofensivo da equipa muitas transições defensivas mal
feitas resultaram em golos sofridos desnecessariamente. A inexperiência de
Jesus em clubes de topo, que lutam por todas as provas, quase colocou em risco
a conquista do campeonato pois o plantel não tinha assim tantas soluções
alternativas. A equipa claudicou nos quartos-de-final da Liga Europa em
Liverpool chegando ao fim do encontro “de gatas”. O Campeonato, esse só foi
ganho com muito sofrimento na última jornada a um Braga fenomenal.
A Segunda Época - Má Planificação, Má Época
Com o final da primeira época,
chegou o Campeonato do Mundo de 2010. Vários jogadores do Benfica foram
chamados às suas selecções - Ruben Amorim, Maxi Pereira, Luisão, Ramires, Fábio
Coentrão, só para citar alguns - e Maxi Pereira foi mesmo o jogador mais
utilizado do Mundial. Logicamente, estes jogadores tiveram um período de férias
mais alargado mas que nem por isso serve para recuperar o desgaste de uma época
inteira com mais de 60 jogos nas pernas. Jesus queixou-se várias vezes durante
a pré-época que não dispunha de alternativas válidas para substituir os
internacionais. A juntar a essas condicionantes, Di Maria e Ramires deixaram o
clube recheado de Euros mas mais pobre em talento. Chegou Gaitan para o lugar
de Di Maria e Salvio chegou em Janeiro para tentar fazer esquecer Ramires.
Chegou também Roberto Jimenéz, jovem guarda-redes contratado por uma verba
astronómica - 7,5 milhões de Euros - e que nunca conseguiu aguentar o peso da
sua “etiqueta”. Entretanto David Luiz já dava mostras de querer sair e em
Janeiro saiu mesmo para o Chelsea. O início de campeonato foi desastroso com 3
derrotas nos 4 primeiros jogos, mas a vertigem do ataque mantinha-se na cabeça
de Jorge Jesus. Queria sempre “nota artística” máxima aos seus jogadores e não
conseguiu perceber que alguns deles não eram suficientemente bons para aquilo
que pretendia. A ajudar à festa, o Porto de Villas-Boas dominou a todos os
níveis - nacional e internacional. Apesar da campanha desastrosa na Liga dos
Campeões, o Benfica conseguiu ser repescado para a Liga Europa onde caiu nas
meias-finais aos pés de um Sporting de Braga mais fresco e com mais soluções.
Mais uma vez os jogadores chegaram “de gatas” ao final da época. Maxi Pereira
acabou a época e foi para a Copa América que acabou por vencer - segundo ano
consecutivo sem férias.
A Terceira Época - Jesus Começa a Aprender Com os Erros
Nova época, novas ambições.
Chegam jogadores de qualidade para colmatar lacunas no plantel. Artur Moraes,
Witsel e Rodrigo são as notas de maior destaque pela positiva. Fábio Coentrão
deixa o Benfica depenado da asa esquerda. Para o seu lugar chegou Emerson que
mais valia não ter vindo. Não acrescentou nada de novo ao plantel do Benfica.
Com as novas aquisições o Benfica voltou a ter uma palavra a dizer no
campeonato. A equipa ficou mais equilibrada especialmente devido a Witsel,
jogador muito forte nas transições ofensivas e que fazia chegar a bola à frente
com ela no pé. Aimar, o mago, esteve em grande forma nesta época e era o
complemento perfeito para Witsel. Javi Garcia, continuava imperial como âncora
da defesa. Nas alas, Nolito e Bruno César vieram dar mais amplitude ao plantel
e acrescentaram bastante qualidade, especialmente o espanhol que no início da
época espantou tudo e todos com os seus golos e assistências. Na frente de
ataque, Rodrigo explodiu e foi mais uma das revelações da época. O Benfica
chegou à fase decisiva da época com cinco pontos de vantagem sobre o Porto e
chegou aos quartos-de-final da Liga dos Campeões. A vertigem do ataque foi
refreada, muito por causa de Witsel que pautava os tempos de jogo no meio-campo
e a quem era muito difícil tirar a bola. Depois, entregava a bola a Aimar ou
Gaitan e estes encarregavam-se de dar-lhe o melhor destino. O belga aparecia
também muitas vezes em zona de finalização. Era um Ramires mais refinado, mais
apurado tecnicamente mas com menos capacidade de explosão para o ataque e de
ajuda a Maxi Pereira. A época perdeu-se, mais uma vez, devido à má gestão do
esforço por parte de Jorge Jesus. Apesar de não praticar um futebol tão rápido,
o estilo de jogo do Benfica era muito desgastante para os próprios jogadores
porque Jesus não era muito adepto da rotatividade no plantel. A factura acabou
por pagar-se com Jesus a acreditar que podia chegar longe na Liga dos Campeões
e gerir o esforço dos seus jogadores para manterem os cinco pontos de distância
para o Porto. Com um plantel curto e com falta de soluções em posições
debilitadas, o resultado foi outra vez o mesmo. Campeonato perdido para um
Porto de qualidade duvidosa.
A Quarta Época - Até Agora Tudo Bem Feito
Com o final da terceira época,
chegou um Campeonato da Europa. Nunca fiquei tão feliz por o Benfica não ter
nenhum titular indiscutível nas selecções que foram à Polónia e à Ucrânia. Isso
significou uma pré-época bem preparada, com quase todos os jogadores no início
dos trabalhos. Infelizmente, um clube de topo na Liga Portuguesa, precisa de
vender para poder competir com os melhores da Europa. Nos últimos dias do
mercado, um vendaval arrasou o meio-campo do Benfica. De uma assentada, Witsel
e Javi Garcia, criaram um enorme vazio no centro nevrálgico da equipa. Jesus,
conhecedor profundo dos seus jogadores não pareceu preocupado. Eu, confesso,
também não.
Matic, para mim, é melhor jogador
que Javi Garcia. Tem um raio de acção muito maior, é mais cerebral nas suas
acções, tranquiliza mais a equipa nas transições defensivas. O sérvio, “cola”
melhor nos centrais quando é preciso defender os cruzamentos para a área do
Benfica. Além disso, também dobra melhor os laterais. O espanhol com a sua
impetuosidade, cometia muitas vezes faltas desnecessárias. Não quer dizer que
Matic não veja tantos amarelos como Javi. Essa é uma fatalidade inerente à
posição que ocupa em campo. Matic é mais criterioso nas faltas que comete e nas
zonas onde as comete. Como bónus, a capacidade de passe de Matic é
infinitamente superior à de Javi tanto no passe curto como no longo. Isto
permite ao
Benfica esticar o seu jogo de uma forma diferente. A bola é que se
cansa e não os jogadores. Para as alas, chegaram extremos puros, Salvio - um
regresso e Ola John, uma novidade. Ambos são incisivos nos seus movimentos.
Pegam na bola e viram-se para a baliza adversária. Driblam ou combinam com os
avançados e médios interiores e vão embora para a linha. Cruzam com critério
para um dos dois avançados que esta época Jesus utiliza: Cardozo, Lima ou
Rodrigo. Esta é outras das novidades do sistema de Jesus. Dois avançados puros
com um deles a jogar ao redor do outro que fica mais fixo. A ausência
prolongada de Aimar e de Carlos Martins ajuda a explicar esta opção. Não
havendo no plantel outros jogadores que consigam transportar a bola até à área
e fazer passes de morte, Jesus optou por jogar com um avançado que desce no
terreno para jogar entre linhas.
Para fazer dupla com Matic, Enzo Pérez. O
argentino foi mais um milagre de Jesus: extremo convertido em médio de
transição, quando está apto é ele que pauta todo o jogo do Benfica.
Infelizmente para Jesus, tem as características físicas de um extremo. E os
seus joelhos não serão os mais fiáveis. No entanto, compensa essas debilidades
com uma entrega extraordinária. Nas ausências destes dois jogadores, dois
meninos, dois André: um, André Almeida, polivalente, pode actuar a
lateral-direito, médio de cobertura, médio direito ou médio de transição.
Pessoalmente, prefiro vê-lo jogar na posição de Matic; outro, André Gomes, joga
preferencialmente na posição de Enzo Perez. Arrepio-me ao vê-lo jogar pelas
parecenças com Rui Costa. Autêntica placa giratória do meio-campo, faz a bola
rodar como poucos. A bola nos seus pés nunca está triste. Passa com ambos os
pés com igual precisão. Pauta ritmos de jogo, distribui e marca golos. Já me
esquecia, só tem 19 anos. Com os regressos de Aimar, Carlos Martins e Enzo
Perez, não deve ficar desmotivado se tiver que voltar a jogar na equipa B.
Ainda tem muito para aprender. Deve recordar-se que Rui Costa também esteve
emprestado ao Fafe.
No lado esquerdo da defesa, mais
um coelho tirado da cartola mágica de Jesus. Melgarejo, jovem extremo paraguaio
convertido em lateral esquerdo. À imagem de Coentrão, é um lateral sempre em
rotação. Não é pelo seu lado que o Benfica tem sofrido golos. É precisamente na
faixa contrária que reside actualmente o maior problema do Benfica.
Maxi Pereira não está a perder
qualidades mas está cansado. Há quatro épocas que é a única alternativa válida
para a posição de lateral-direito. Só quando está castigado ou lesionado é que
não joga. Entre três dessas épocas não teve oportunidade de descansar em
condições pois participou até ao fim no Campeonato do Mundo de 2010 e venceu a
Copa América em 2011. As suas capacidades ofensivas mantêm-se intactas pois
muito do seu jogo ofensivo é feito em tabelas mas quando tem que recuperar na
transição defensiva é que se notam as maiores carências. Fica muitas vezes um buraco
do lado direito que tem que ser coberto por Luisão ou Jardel. Maxi Pereira também defende cada vez mais
dentro em relação à linha quase junto ao central do seu lado para se proteger
da incapacidade de acompanhar o extremo adversário até à linha de fundo. Isto
cria autênticos corredores para penetração dos adversários. Por falar em
Luisão é curioso, ou talvez não, que sem
três das suas referências defensivas da época anterior o Benfica só tenha
perdido por duas vezes e ambas para a Liga dos Campeões. Isto também é um
reflexo de maior equilíbrio da equipa. O futebol do Benfica é agora mais
paciente, tenta contornar os seus adversários e sabe esperar pela oportunidade
certa. Tudo isto feito em velocidade é muito desgastante tanto para a equipa
como para os adversários. A ver vamos se lá mais para o fim da época Jesus não
cede aos seus impulsos ofensivos.
Para concluir, este projecto de
quatro anos está agora a entrar na fase de cruzeiro. Como Jesus refere muitas
vezes a equipa tem uma ideia de jogo muito própria. Essa identidade da equipa,
não é uma coisa que se construa de um dia para o outro, é um processo moroso,
exigente e que requer muito esforço e concentração por parte de todos os
intervenientes. E requer, sobretudo, continuidade. Jesus pode não ser o melhor
treinador do mundo, mas é o treinador ideal para a conjuntura actual do clube.
Com o passar dos anos tem sabido modificar comportamentos e atitudes tanto
pessoais como da equipa. A uma escala totalmente diferente, recorde-se que Alex
Ferguson só ganhou o seu primeiro título de campeão na sétima época à frente do
Manchester United.